tag:blogger.com,1999:blog-9865197304472548812024-03-13T17:39:04.791-03:00pedaço de idéia"...no desalinho triste das minhas sensações confusas." Bernardo SoaresAndré Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.comBlogger39125tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-56416042159700775542013-01-18T21:04:00.000-02:002014-08-19T12:24:58.470-03:00Pequenas cenas monocromáticas<div style="text-align: left;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<h5 class="uiStreamMessage userContentWrapper" data-ft="{"type":1,"tn":"K"}" style="background-color: white; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; font-weight: normal; line-height: 18px; margin: 0px 0px 5px; padding: 0px 20px 0px 15px; text-align: left; word-break: break-word; word-wrap: break-word;">
<div style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: 12.75pt; margin-bottom: 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Ele tinha aquele estranho medo
repentino das manhãs, criança de si mesmo. Em seus limbos professorais e
sintomáticos, cambaleava pelas beiradas pegajosas e estreitas que findam em
encruzilhadas. Rugas amareladas delineavam seus traços descontínuos,
incompletudes nas dores e nos amores: em tudo, nada era por inteiro. O dia
socava sua mente sem pedir licença, emprestando incertezas àqueles que
escorregam em suas iminências, fiam em suas promessas. Senhor das
inconsequências, marionete cega das sucessões, oprimia suas forças através da
falsa e poética leveza do anoitecer, guardador dos resquícios da véspera.
Respirava em desafino, coçava a barba fazendo careta, consciente da obrigação
de ali estar, existir. Questionamentos incabíveis e ininterruptos criavam
pontes hipotéticas para transgredir sua alma em segundos. Nenhuma resposta,
ausência de clareza, clarividência. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 12.75pt; margin-bottom: 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O despertador advertia para o inadiável,
por que, apesar de toda desmesura incompreensível, é necessário algum quinhão
miúdo pra cerveja, pra quitar o aluguel no último prazo e dar moedas trocadas para
crianças no farol. Nos fios imaginários da vida, alinhavados por conjunturas improváveis,
era sua maneira torta de limpar a consciência e cavar seu lugar ao lado de um
deus que ele nem acredita tanto assim.</span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"> </span><span style="color: #333333; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Calçar os gastos sapatos e pôr a
camisa surrada. E suar sob o sol sufocante. Sem reclamar, clamar, amar. Pensava
em injustiças sociais, tremia de revolta com o estômago vazio no banco gasto do
ponto de ônibus. Suportava o fardo das tormentas, a rudez dos ventos incertos.
Faltava-lhe o conforto de qualquer coisa, o essencial descanso no colo macio de
outrem. Na contramão da serenidade, em meio à impetuosidade dos seres e seus
robóticos e apressados abalos, ruminava maneiras imbecis de abrandar o espírito
para aliviar, domar, abater as horas seguintes, matar o tempo com o perigoso
veneno da rotina e dos movimentos que se repetem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 12.75pt; margin-bottom: 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Com um sorriso forçoso nos olhos, com
marcas eternas na testa, com o cenho crivado por amarguras acumuladas. Sentado,
sentido, sozinho. Solicitando perdão nas alamedas sem chegada, sem assoviar
canção, com as mãos nos bolsos cheios de ar. Vendo-o daqui, diriam que é são,
mais um em meio à multidão moribunda. Mas era louco no íntimo e no contorno de
seus acenos, na soma de suas sentenças soltas em banheiros públicos. Esperava seu
almoço ralo em um restaurante ensebado, em sua gasta memória corriam
recordações inúteis, cenários forjados, possíveis erros que o fizeram chegar
até ali. Conformado, entediado, preguiçoso ao menor gesto, tinha medo do
suicídio e aceitava o fardo da existência com alguma condescendência fria.</span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 12.75pt; margin-bottom: 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Mudanças são necessidades quase que
impenetráveis para quem brotou nessa terra empoeirada e dura. De algum modo,
são para os que creem que o peso da coragem é maior do que o conforto indigesto
da covardia. Os caminhos são longos e penosos para quem não troca de calçada ao
divisar o desabrochar das flores. Não sem razão, considerava que o maior dos
alentos era embriagar-se nas estações que nos escapam, apesar desses frenesis
histéricos que nos pisam sem nos ver. Há alguns espirros concretos de
felicidade nisso. Mas há também estranheza sobre aqueles que insistem em
entrever conotações na escuridão, formas exatas na imprecisão das nuvens,
desenhos contornados em jardins descuidados. É um pouco como uma cabana que se
precisa construir para abrigar-se e evitar o sereno que nos despedaça: poucos
são os que desvendam as direções e vertentes daquilo que não é palpável ou
estão prontos para aguentar os rasgos iniciais do cotidiano. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 12.75pt; margin-bottom: 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">De volta ao seu quarto, tudo lhe
parecia terrivelmente estático, objetos velhos e poeira sufocante, comida
congelada e televisão. Apenas em fagulhas soltas vislumbrava a alvorada que serena.
Extinguiam-se os anos pelas rachaduras das mãos, tomava conta o silêncio, esse receptáculo
misterioso de segredos nossos. A fadiga e o temor da inalterabilidade eterna impediam-no
de sonhar através da imensidão das madrugadas e isso é uma coisa séria para um
homem. Não há liberdade sem sonho, nem sonho em meio à insônia. Apenas
pesadelos ressurgidos e concretos. E tão reais quanto uma ferida aberta que não
cicatriza jamais.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 12.75pt; margin-bottom: 0.0001pt; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: #333333; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O infinito é passageiro para os que
toleram viver diante dos abismos. Ninguém iria replicar suas perguntas, seus sinais
em formato de clichês inacabados. Um bocado de acalanto no vazio triste das
coisas, sem o padecer indiferente dos céus e dos oceanos, é o que um homem
busca na primavera que não chega. Mas nenhuma eternidade ou inspiração ou
epifania são suficientes para compensar o sopro glacial das tempestades. E é
preciso crença em qualquer ser, qualquer ver, qualquer amanhecer, para
esquecer-se de todas essas pequenas cenas monocromáticas. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<span class="messageBody" style="color: #333333; line-height: 1.38;">
</span></h5>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
</div>
André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-69786514091332570412012-10-14T19:38:00.001-03:002012-10-14T19:38:50.366-03:00Fragmento do intangível<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Enquanto ainda irrompem lampejos de poesia<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Há sangue nos altares de pedra<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Existe fome nas avenidas <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
E encanto nas folhas que não desabam<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Micro espetáculo de miudezas desimportantes<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
Corações corroem-se em misérias e egoísmos <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Corpos desiludidos e
expressões vagas</span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Copos vazios e mentes
doentes<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">E miolos espalhados
pelas paredes<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Quando comprimidos não
solucionam a incompreensão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Entulho nas arestas das
horas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Desesperança no
asfalto morno <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Ápices inatingíveis e
fossos inescapáveis<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Panoramas ideados para
pulverizar a solidão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Falsos esboços <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Bolsos rasgados <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Trocados miúdos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Refluxos estéreis do
cotidiano <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Sopros do tédio<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Ruína dos anseios previstos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Máscaras que sufocam os
fins<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Mentiras abafadas no
solo das ficções<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Sussurros inaudíveis e
renúncias estridentes<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">E abandono<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">Descrença no amanhecer<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">E delírio <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">E devaneio <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">E desassossego.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">É improvável não
sofrer no oscilar hipotético e indiferente do destino<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">A mais coerente das
razões é ainda fragmento do intangível<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial;">E a súbita emoção, resplendor
do inexistente.</span></div>
André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-35770988542447371322012-08-31T01:41:00.001-03:002012-10-20T01:05:37.799-03:00Retorno de Saturno <div style="text-align: justify;">
Para chegar até aqui, transfigurei os meus cenários e removi do arcabouço os destroços que me tragavam. Não restou muro branco para iniciar a conclusão daqueles colóquios baratos, porque o cansaço embebeda as repetições e grita mais alto ao pé do ouvido. Tudo ficou meio inconcluso, sem retóricas felizes, sem enredos claros ao fim. Sem que a imutabilidade das coisas reivindicasse o seu lícito direito de mudanças permanentes. Se não soube abrigar-me em desertos, tampouco encontrei refúgio na aglomeração. O retraimento desespera e a caravana agoniza. E diante de ausências e restos, revirei, distendi, vomitei os meus flagelos. Esquecido, pertencente aos efeitos da sombra e da abafante poeira, diante das deficiências amargas, doentes e indigestas do mundo que entendo mal. Bêbado, não do álcool que o corpo já acoplou às veias que saltam, mas da inalterabilidade, do habitual, de tudo aquilo que se repete sob a luz da eternidade e nos torna instintivo e selvagem. Com medo da imensidade do imponderável, mas desatento ante as consequências do que ainda não foi pronunciado, dos discursos que ainda não eclodiram e rebelaram almas que se rastejam, finadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Existe um momento, indefinível por essência, que conhece seu nascimento apenas em uma esfera margeada pela fantasia, em instantes que escapam a percepção e dificilmente são obtidos. É como uma faísca brilhante que de repente risca o ar e incendeia os espaços, da qual só vemos a projeção final e que a nossa imaginação teima em reinventar. Nesses milésimos, que procuramos em vão deter, sugar, costurar ao espírito, os versos não cabem, os êxtases não satisfazem e as juras não salvam. E é quando se faz preciso transcender as cercanias do previsível, do real, do indispensável. É preciso enxergar além do que permitem as retinas, mesmo quando a prudência e a paciência apontam inevitável derrota e conflito. Mesmo quando a esperança e a fé se esvanecem por entre as mãos, penetram na pele e no espectro, se perdem em esquinas desamparadas ou nos acalantos que não chegam para abrandar as fraquezas. Até quando o direito parece reverso e a nostalgia é ainda uma figura abstrata, há que se decompor, transtornar, interromper os avessos daquilo que ainda não sucedeu. É enxergar-se em libertação elevada, ainda que consciencioso da inumana alienação que nos prende, massacra e explode. Por dentro e por fora. Pelos lados, em rumos vagos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas para tal, para fazer o quimérico renascer, o alegórico simbolizar, o extraordinário apoiar-se em fatos deprimidos que estabelecemos cegamente, tem-se que alumiar o pensamento e revisar os aforismos inexatos que cravamos durante o solitário e gélido crepúsculo. Afogar as convicções, esvaziar os conteúdos fechados, desumedecer as vidraças para descobrir que as janelas camuflam vestígios de vida, horizontes possíveis. Mas não quero reduzir a existência às margens do tangível, erguer o incluso em padrões cirúrgicos para serem manejados nas pontas dos dedos. Nem sequer posso ter essa pretensão, sobretudo através destas vazias notas que violam e descaracterizam a beleza do vento: ninguém vai salvar a humanidade dos teus tolos erros, dos tropeços que nos empurram ao precipício sem chão. Ainda assim, me assustam aqueles que escolhem morrer em doses contadas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
“Mesmo este coração, que é o meu, ficar-me-á para sempre incompreensível.” Albert Camus – O mito de Sísifo.</div>
André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-1658142829568758862012-07-16T23:18:00.001-03:002014-07-12T14:45:24.547-03:00Dois minutos dentro de um retrato escuro<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #333333; line-height: 18px; text-align: left;">Fotografias só servem para nos alertar que os dias residem os agoras.</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; text-align: left;"><span style="line-height: 18px;"> Mas já era velho o homem que olhava o porta-retrato nas mãos trêmulas e que já não sabia distinguir espaço-tempo em seu duro coração. "A vida me fez assim", profetizaria ele se acaso ainda soubesse falar. Lhe restava trancafiar as emoções dentro do peito ou expressá-las em gemidos incompreensíveis. A memória fraca camuflava as lembranças e as sinapses não tinham mais a mesma eficácia e rapidez. O raciocínio espalhava-se, falhava em suas intenções. encobrindo pelas manchas das recordações as décadas que tentava recitar em prosas mentais. O que hoje lhe remanescia, como um prato frio repleto de desencantos incolores e embaralhados, era um corpo cansado. E a comida sem sal no asilo abandonado. </span></span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; text-align: left;"><span style="line-height: 18px;">Não longe dali, na babilônia nossa expressa a cada estilhaço de recomeços e términos, dentro do manicômio dissimulado em que sobrevivemos, tudo parecia igualmente maquinal e infeliz: a mesma impaciência mórbida, como se a pobre existência de cada ser fosse conhecer seu fim no minuto seguinte, a mesma exaltação incompreensível, o mesmo simulacro de acenos repetitivos, o mesmo pedantismo dos diabos. Para escapar a esses vagos alvoroços, não adianta orar, clamar dentro de igrejas ou tabernas: nenhum deus sabe de nós, porque existem infinitudes concretas no Universo e somos nada. Ainda que esteja a rondar a cadeira de rodas do velho um anjo, esperando o seu último suspiro que teima em não chegar, como se a morte estivesse de greve.</span></span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #333333; display: inline; text-align: left;"><span style="line-height: 18px;">É preciso imaginar-se lúcido em meio ao tormento para que haja luz nos amanhãs em que depositamos nossas desconfianças, para que vislumbremos contornos em nossos devaneios, ainda que embarcados em dúvidas. Por debaixo das nuvens escurecidas que ameaçam terminar em chuvas torrenciais, o antigo e o recente, o original e o ultrapassado, o surpreendente e o banal, são apenas centelhas de interpretações nossas, todas distorcidas, corrompidas por insanidades amontoadas pelas eras que nunca mudam.</span></span></span> </div>
André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-19090114117593673732012-05-10T04:30:00.004-03:002013-07-04T16:23:42.371-03:00Ainda que cotidiano, plenitude<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 12.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-size: 10pt;">Ainda que exausto pela maratona dos derradeiros dias, esvaído de rotinas prontas, apontei pelos frios corredores de paredes mofadas desse prédio velho, desci as mijadas escadas de concreto, abri o portão enferrujado e ouvi-o bater num estrondo atrás de mim. O sol açoitou minhas retinas, mais do que costumeiramente, talvez para avisar-me que a acolhedora penumbra conforta e abriga apenas em lacônicas estações. Enquanto buscava acostumar-me ao fulgor, amaldiçoei o fato de morar numa cidade onde o efeito entorpecente do calor incomoda tanto quanto o peso de existir. Esbarrei sem notar em pessoas durante o caminho que fazia até o boteco mais próximo, onde bêbados descarados e imundos já encontravam solução para o caos do mundo em seus incontáveis quinhões de aguardente. Cumprimentei alguns camaradas das infindáveis madrugadas, mas alguns deles não me reconheceram por exato; eram moribundos de todos os trejeitos, esfarrapados pela rejeição da massa, que frequentavam baiucas e santuários num resumido espaço de horas, sem compreenderem, contudo, que pecado e salvação andam sempre de mãos dadas. Troquei as garrafas de cerveja, peguei dois vinhos empoeirados na prateleira, um maço de cigarro da mais barata marca e pendurei a conta, hábitos mais do que frequentes nesses tempos duros. Mas o velho carrancudo e dono da espelunca desde antes de eu nascer, entendia a situação: mesmo com demora, conseguia sempre uns empréstimos para quitar o dividendo no final do mês. </span><span style="font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 12.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: #2a2a2a; font-size: 10pt;">Durante os tramites no estabelecimento, dentro das cenas imagéticas que frequentam nossas mentes em colapso, refletia um pouco mais sobre a estupidez nossa de cada dia, tão manifesta que, a muitos, aparentemente, era difícil suportar ou querer admitir. Ainda antes de sair e retroceder ao terrível massacre luminoso que sem indulgência nos suprimia pausadamente, fragmentos epifânicos esboçaram resplandecer. Considerava engraçado e melancólico o fato de pessoas lidarem com algum contentamento com as obrigações de seus ofícios tediosos e alienantes, adularem àqueles que confessadamente não gostam, sorrirem por banalidades de toda ordem e ainda assim crerem nessa ilusão que mora em nós alcunhada felicidade. Não dá pra entender! Gente cretina e imbecil essa que me rodeia e mais inútil sou eu por não perceber tamanha incoerência! Espero com ânsia o dia em que o meu estado de embriaguez tome de vez as rédeas que norteiam a maneira pela qual vejo os contrassensos mundanos, pois assim verei denotações mais óbvias nos sinais, ao menos às vistas do meu pensar! Que grande merda isso também! Involuntariamente, sinto-me não pertencente a nenhuma confraria, não tenho inclinação para professar nenhum ideal nitidamente instituído e tudo o que me remete a expressão "moda", esterco que nutre essa sociedade nossa, me faz sentir aversão e ódio. Meus olhares cavos perfazem viagens discordantes que não fiz. Mas exaurido, não há resposta que sopre ao vento. No mais, sou como toda gente, fútil e egoísta, arruinado pelo cotidiano que nos dilacera, observante de horizontes submergidos pelas nuvens acinzentas.</span><span style="font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 12.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: #2a2a2a; font-size: 10pt;">Uma vez não desvendando respostas para estas controvérsias inatingíveis, acima de quaisquer soluções definitivas, ponderei ser melhor afogar interrogações em copos de álcool, costume corriqueiro para dar fim às ambiguidades que tremulam para além da apreensão humana.</span><span style="font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 12.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-size: 10pt;">Quando saí, tive a percepção de que o ar desvanecia, poluído como sempre e abafado como a muito não se via, munindo os passantes de zelos exagerados. Fiz o mesmo caminho da vinda, sem prestar atenção nas pessoas e blasfemando contra o desgosto que me causava a temperatura elevada. O peso da mercadoria trazida da tasca retardava meus passos, desengonçando o cursar. Pareceu-me que o trajeto de volta custou o triplo de desgaste e minutos.</span><span style="font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 12.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-size: 10pt;">Ao dobrar a esquina do prédio, já prestes a esquivar aos olhos da oscilação e do estorvo da inquietude, uma mortificante melancolia atropelou-me desprevenido, como que me coagindo a rememorar todas as vezes que percorri essas mesmas calçadas disformes, experimentando o ruído intolerável da existência fustigando-se por sobre os meus ombros e através de meus membros. Do outro lado da rua, uma criança suja mendigava ao lado de um homem de terno – O mundo é desgraçado e eu não presto! </span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-size: 10pt;">Uma tristeza funda ancorou-se sobre o meu peito e tive de espantá-la forçando o pensamento a visitar logo o quarto-banheiro estreito e bruno, onde imaginei Marcela, provavelmente preguiçosa, impaciente e despida, esperando-me sobre uns trapos esburacados. Ansiava por terminar de sugar seus fluidos, tocar-lhe a pele macia, frequentar suas regiões ardentes e suprimir as aflições da vida dentro de seus impetuosos enlaces e ósculos. A sensação de bem estar advinda dessas figuras maquinadas e que se tornariam autênticas e palpáveis dentro de abreviados instantes, acalmaram-me, e pude terminar a chegada até a choça com o espírito um tanto quanto tranquilo. Ri um riso fácil e alto com essa constatação, não sem antes intuir-me como louco e culpado pelos erros de outrem. Curiosamente, lascas arquetípicas configuravam-se sobre esses enleios carnais.</span><span style="font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 12.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2a2a2a; font-size: 10pt;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Novamente estava diante das escadas, do mau cheiro, do absurdo esforço de Sísifo. Andei até o final do corredor e abri a porta desgastada por mil anos - decorrência de batidas agoniadas desferidas após mil brigas minhas com Marcela, que solapavam o batente e arruinavam a maçaneta. Sem acender o interruptor, entre a claridade opaca que ingressava pelas fissuras das venezianas enodoadas, discerni um corpo de mulher que se agitava devagar. A resplandecência branda torneava as suas linhas agudas, reproduzindo de forma insonhável uma beleza impossível de abranger por luzes artificiais. Repassei todos os adeuses que não oferecemos depois de cada sorriso impelido, todos os pandemônios que criamos por caprichos enigmáticos, todos os descompassos que nos esfolavam no mais íntimo e sagrado. E pensei: Meu Deus, porque apartamos os dizeres, procrastinamos os anseios, negamos amores ressurgidos?! <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 12.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: #2a2a2a; font-size: 10pt;">Completando o panorama, o blues na vitrola ainda soava baixo, vertendo pelos cantos sua expressividade reentrante. Durante dez eternos segundos permaneci inerte, abstraído até da argúcia de ser. </span><span style="color: #2a2a2a; font-size: 10pt; line-height: 115%;">Mas as voltas mecânicas do relógio disfarçaram sortilégios e adequaram-se ao sumidouro da eternidade, ocasião suficiente para purificar o que de malfazejo arrastei da rua e entrever fatias ideadas de paraísos meus. </span></span><span style="color: #2a2a2a; font-size: 10pt;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> Depois, larguei os álcoois sobre a mesa antiga, em meio à latas vazias, tabacos apagados e esboços ordinários de prosas falsas, e fui juntar-me ao teu corpo para definitivamente espantar os fantasmas. Deitei e beijei-lhe o pescoço, abraçando-a pela cintura. O mundo principiava rodar sobre a cama que rangia. Nas horas subsequentes, nenhum mal poderia alcançar-me, nenhum demônio ávido em fazer de mim joguete para os teus próprios tormentos, transpassaria nossas almas que, vistas longinquamente, diriam ser uma só.</span></span></div>
André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-25113340635573047462012-04-25T00:04:00.001-03:002012-06-06T21:40:06.452-03:00Quando se vê<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando se vê, já não é amor. E ficamos assim. Percorrendo silentes desconfianças que nos apartam, diante de interrogações constituídas por erros que outrora urdíamos verdades indestrutíveis, concretas. Em lugar de antigas confirmações e insuspeitas, germinam medos que exprimem dúvidas resumidas em dizeres que não revelamos, becos estreitos arrebatados pela incompreensão arquitetada. Quando se vê, o pleno tornou-se metade antes de mobilizarmos as pálpebras, rematarmos os abraços e desenlaçarmos as mãos; e as árvores em que historiamos nossos modos, nomes e promessas, somente representam bosquejos de nós mesmos, simulações e escritas evasivas, lituras de inúteis ideais. Os trajetos inextricáveis que desenhamos são agora miragens, alucinações, crivos inexatos desses sonhos sem imediações. Sem atinar, deixamos rusgas através dos passos que nos uniam, palimpsestos que confundiam e desalinhavam o real sentido de nossos gestos que jamais soubemos concluir. </span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando se vê, madrugadas e revelações, sorrisos e calores noturnos, semelham-se a aleatórios panoramas e perspectivas, emaranhadas por momentâneas necessidades e desleais aspirações. No relento que dilacera, sentado nos degraus em que já nos despedimos dos promissores dilúculos ou nas rochas em que acomodamos as vontades infantes, acompanha-me o meu violão. E eu invento um refrão embriagado para ritmar o que ficou de mim nesses desvãos da incongruência, nas entranhas da ansiedade. Longe de querer entender-te em tuas vicissitudes abstrusas, tampouco apresento o intento de esquecer-te por inteira, pois assim ausentar-se-iam pedaços ultimados do que me compõem e me dá relevo. Transcorrido a imprecisão dessa deforme conjuntura, fico a contemplar o horizonte que um dia batizamos de nosso, atravessando as passagens em que distei minha renúncia, para que se cerrem em definitivo as incondicionais veracidades e enclausure-se o alvorecer. Mas ao fundo dessas frestas abertas pela insensatez, prosseguirá o insulamento obstinado, ferido, cruel. E ao soprar das temporadas, vou desacostumando-me a atingir os sisos e admirar as paixões, vagando trôpego pelos desacordos da linearidade. </span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando se vê, estamos cegos para o destino, já afeiçoado a pregar peças àqueles que imaginam significados nos sinais algures. Porém, ao desvanecer do dia, enxergando por ângulos distantes e recentes, as cores são outras e as sombras encobrem o passado em frangalhos. E o que fomos não é nada senão o revérbero fosco e triste do que poderíamos amar, a moldura gasta de um retrato sem ardor.</span><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">"<span style="background-color: white; text-align: -webkit-auto;">E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.</span>"</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mário Quintana</span></div><div class="MsoNormal"><br />
</div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-30430824810195584342012-03-28T00:19:00.001-03:002012-09-06T02:02:25.171-03:00Apesar de nós<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; color: #2a2a2a;">A alma do homem está enraizada no estômago, disse uma vez Charles Bukowski. Antes </span>do ocaso frívolo em que segredastes o teu adeus, não compreendia que tal afirmação poderia ser tão exata e cruel. Naquela fração de desalinho, cursaram minhas reminiscências versões sufocadas de nossa estória, paradoxos de todas as certezas que edifiquei ao longo destes anos. Na memória, cravaram-se retalhados desvirtuados de nossas palavras vãs. Juras que se abafaram ao léu, esvaziadas. Busquei, já sob o efeito consciente de não mais poder embarcar por entre os teus meandros, motivo razoável para descansar as dores sob a plenitude das constelações, subterfúgios para derramar a fugacidade dos instantes. Mas carecia de maiores empenhos para apreender o tamanho do vão que nascia em mim a partir de tua despedida. Um prélio entre o atilamento e o delírio teve início nos momentos próximos, sem que eu soubesse qual dos dois sairia mais perdedor.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As primeiras efígies que surgiram demarcavam salas desocupadas, esperas amotinadas, psiques agoniadas: pintei de preto e branco essas cenas e em todas elas projeções embaçadas de mim ganhavam função primordial. Aqueles segundos, absurdos e partidos, carregaram consigo meus lapsos de pretensões entorpecidas e com eles aprendi que é preciso saber quando convém dar as costas para o mar. <span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; color: #2a2a2a;">Como um canto febril, os ares da razão puxavam-me à superfície, quase que obrigando-me a encostar as emoções em ângulos obtusos e cegos. A obviedade das circunstâncias banais somou-se ao impossível da ocasião e notei que os rios persistiriam em seus fluxos inconstantes, transcorrendo ora acomodados, ora irrequietos. Mas sempre apesar de nós.</span><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; color: #2a2a2a;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No perímetro equidistante, deparava-me apenas com náuseas, ressacas de eras refletidas que assumiam outras formas e expressões. Ainda aturdido pela notícia da tua partida, o coração a retumbar resignado, não me atinei aos porvindouros vendavais, rotineiros nesses oblíquos movimentos que perfazem as álgidas alvoradas. Repercutia em algum lugar morno do horizonte imêmore, um alento debelado que me transpassava: perde estas ondas, recolhe os trapos estendidos na areia e deita fora o vinho barato. Não existe mais luau para combinar com teus olhos, não há canção que embale o que restou do meu pobre e vagabundo coração.</span></span><span style="font-family: Tahoma, sans-serif; font-size: 10pt;"><o:p></o:p></span></div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-30039878982447290432012-03-09T00:28:00.003-03:002013-07-06T15:14:18.870-03:00Dias que não são nossos<div class="MsoNormal" style="padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Foi apenas por um segundo. Sob os primeiros raios da manhã, em meio à revolução que acabara de dormir, eu te vi passar. Havia sangue seco nos imundos paralelepípedos e pilhas de entulhos nas portas das casas. As bodegas, horas antes ocupadas por velhos amarelados, bêbados e desiludidos, estavam com suas portas de aço fechadas, em sua maioria pichadas e rabiscadas com frases que clamavam alterações sociais. Eram ondas de protestos feitos por aqueles que muitos insistem em denominar baderneiros e vagabundos, mas que almejam mínimas doses de justiça e direitos para os seus iguais. Paredes gastas, sem reboco e tinta, escondiam seus riscos disformes, pois toda sorte de palavrões e ditos populares as enfeitavam. Ofegava-se estragos e pó abafadiço das calçadas, barafundas ininteligíveis e escandalizadas desabavam o restante da inocência nossa. Mas naquele segundo, que anulou o contraste com a imensurável e duvidosa eternidade, você serenou o cenário e fez-se luz a partir do teu sorriso, estrela mundana que és. Todavia, aparentou-me que teus contornos não eram tangíveis: despontavas feito quimera, alegoria hesitante para os meus desvarios, conforto para os desasseios e pavores. </span><br />
<span style="font-family: inherit;">Antes mesmo de supor os resquícios do teu raso caminhar, ansiava por lhe oferecer as declarações de amor que nunca soube cunhar por completo. Neste meio tempo, experimentei abolir o que de extenso e indecifrável fazia morada em meus gestos e sinais. As estações desfilaram diante desse quadro, assenhoraram-se das brechas de concórdias passageiras e de tudo aquilo que acostumei a chamar de meu. E ressurgiram corriqueiras, insensíveis perante os desatinos. Notei que ausentava-se em meio à neblina desalumiada, fazendo despreocupada o teu trajeto regressado. </span><br />
<span style="font-family: inherit;">Ao te ver passar, sumiram-se as ansiedades e os martírios: tua presença é como uma trégua diante da devastação, uma flor que emana sopros de amores benditos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Sob os primeiros raios da manhã, em meio à revolução que acabara de dormir, eu te vi passar. Era equinócio, doces e abatidas lembranças embaçavam as obrigações do fronte e transgredir pareceu-me estúpido. Porque quando você surges em meio ao caos, tudo o mais desinteressa e a rebeldia serena. Alguns dirão que é um equívoco, ilusão egoísta. Não importa. Eu te vi passar e isto é razão suficiente para sucumbir à vida, afundar frustrações e esquecer esses tétricos dias que não são nossos.</span><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></div>
André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-74278829753713615952012-02-17T00:18:00.008-02:002012-04-26T23:25:49.954-03:00Ecos de outrora<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ecos de outras eras me afogam e oprimem. Quando soam, assemelham-se a sussurros roucos e incoerentes, <span style="text-align: -webkit-auto;">enredos tortos para os meus sintomas desacostumados a agitações externas. M</span>as quando me quieto e atento para eles, percebo que formam mantras que retumbam dentro do meu peito, pisando por sobre pequenas feridas que cicatrizaram pela metade. Parecem querer alertar-me de que estou sem prumo, isolado e desconexo em meio à multidão cinza e moribunda que me acerca. No cerne de seus lamentos e repetições, querem entender como cheguei ao ponto em que estou. Todos eles, suplicantes e magoados tais quais um fado português, são resquícios semimortos, episódios conturbados, avisos de meus desencontros. E os capto feito desilusões de períodos que não presenciei, como sonhos desmanchados de frias madrugadas. Com o intuito de não escutá-los, cubro os ouvidos, mas assim acabo por aguçar outros sentidos e enxergo mais do que deveria. Observo que estão fechadas as cortinas ao fundo e o vento não derrama mais sua ira sobre os espaços. Na penumbra lúgubre, objetos modificam seu lugar de origem, dançando trôpegos diante dos reflexos da escassa luz, mesmo sabendo eu que são consequências de minhas incertas retinas. Fragmentos incolores saturam minhas vistas, aqui dentro faz calor e é difícil sossegar. Recostado, entorno mais um sujo copo do amargo Fernet, que desliza pela garganta assolando as amígdalas: o mal estar já se instalou no estômago e preciso do álcool para sará-lo. E apenas os ecos continuam, adentrando minha precária privacidade e pregando-me à cadeira sem forro. No meio deles, arrisco meia dúzia de frases ordinárias, ditados conhecidos, letras imprecisas que desalinham e borram as sensações. Volto à atenção para a mesa rachada, lembranças efêmeras e faces conhecidas me atravessam, mas com elas não sei fazer poesia e sentir isso chega-me, ao seu modo, meio sem vida. Pro diabo com tudo isso! Não se pode dar vazão a nenhum pensamento nesse ambiente torturante! Deixo de lado papéis e evidentes loucuras, procurando encharcar esses imaginários sons com doses de tempos longínquos. E então, somo esforços para recordar quando foi a última vez em que <span style="text-align: -webkit-auto;">vislumbrei fagulhas de significados, mesmo que por poucos segundos. Quando que, despreocupado e vacilante, estive a caminhar sem que acompanhasse-me a penúria dos dias sem volta? Não sei dizer, porque segundos e dias assim são como pergaminhos esquecidos na confusão da qual não sei escapar ou resistir. Ajuízo, por último, como é curioso o fato de nossas vagas escolhas se parecerem tanto com passos na areia, à beira mar: o formato dos pés finca na areia, desenhando o nosso passado. O mar, em sua grandeza inocente, brinca de desfazer, deformar e entortar a pisada original. Resta disso o que ponderamos compreender de nós mesmos. E o mar avança, apaga o nosso trajeto, transmutando tudo na saudade do que de nós projetamos. Saudade do que não existiu, mas que queríamos, por uma inspiração divina ou uma danação de não sei onde, crer que sim.</span><o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="text-align: -webkit-auto;"><br />
</span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="text-align: -webkit-auto;">"...procurando no ar fragmentos da minha existência espalhada" </span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="text-align: -webkit-auto;">Graciliano Ramos - Angústia</span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="text-align: -webkit-auto;"><br />
</span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="text-align: -webkit-auto;">"</span><span style="background-color: white; color: #555555; line-height: 21px; text-align: -webkit-auto;">Se alguém por mim perguntar</span></span><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: #555555; line-height: 21px; text-align: -webkit-auto;">Diga que eu só vou voltar</span><br style="background-color: white; color: #555555; line-height: 21px; text-align: -webkit-auto;" /><span style="background-color: white; color: #555555; line-height: 21px; text-align: -webkit-auto;">Depois que me encontrar"</span><br style="background-color: #fff9ee; color: #222222; line-height: 21px; text-align: -webkit-auto;" /><span style="background-color: white; color: #555555; line-height: 21px; text-align: -webkit-auto;"></span><span style="background-color: white; color: #555555; line-height: 21px; text-align: -webkit-auto;"><br />
</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #555555; line-height: 21px; text-align: -webkit-auto;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Cartola</span></span></div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-15795327911195635462012-01-18T23:56:00.000-02:002012-01-18T23:56:21.055-02:00Atemporalidade<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">"Há uma extraordinária multidão de gente assim no mundo, muito mais até do que a muitos possa parecer. Essa multidão pode, como toda a outra gente, ser dividida em duas classes: os de inteligência limitada e os de alcance mais vasto. Os primeiros são os mais felizes. Nada é mais fácil para essa gente "comum", de inteligência restrita, do que se imaginar original e mesmo exceção, e folgar com essa ilusão, nunca chegando a perceber o equívoco. Basta a muitas de nossas mocinhas cortarem o cabelo de certo modo e usarem óculos azuis e se cognominarem de niilistas, para ficarem de vez persuadidas de que, com isso só, obtiveram automaticamente "convicções" próprias. Basta a certos cavalheiros sentir o mais leve prurido de qualquer emoção bondosa e humanitária para que imediatamente fiquem persuadidos de que ninguém mais sente o que eles sentiram, e de que formam a vanguarda da cultura. Basta a certos indivíduos assimilar uma idéia expressa por outrem, ou ler qualquer página solta, para imediatamente acreditarem que essa é a sua opinião pessoal espontaneamente brotada de seu cérebro. A imprudência da simplicidade é, se assim se pode dizer, espantosa, em tais casos. Por mais incrível que pareça, isso existe."</span></div><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br />
</span><br />
<span style="background-color: white; line-height: 19px;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Fiódor Mikhailovich Dostoiévski - O Idiota</span></span>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-59011043499236368112012-01-17T01:43:00.000-02:002012-01-17T01:43:36.752-02:00[Legendado PT-BR] "Bluebird" - Charles Bukowski<iframe width="459" height="344" src="http://www.youtube.com/embed/3ym-1HU7x-0?fs=1" frameborder="0" allowfullscreen=""></iframe>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-54418312844750197382012-01-17T01:42:00.000-02:002012-01-17T01:42:55.794-02:00Charles Bukowski - Born Into This (Legendado PT-BR)<iframe width="459" height="344" src="http://www.youtube.com/embed/C756nopGpJM?fs=1" frameborder="0" allowfullscreen=""></iframe><div><br /></div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-55238985547530148132012-01-09T23:00:00.000-02:002012-01-09T23:00:04.275-02:00Atrás da Porta - Chico Buarque<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="344" src="http://www.youtube.com/embed/U5WLtl3usyo?fs=1" width="459"></iframe><br />
<div><br />
</div><div><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Quando olhaste bem nos olhos meus</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">E o teu olhar era de adeus</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Juro que não acreditei, eu te estranhei</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Me debrucei sobre teu corpo e duvidei</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">E me arrastei e te arranhei</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">E me agarrei nos teus cabelos</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">No teu peito, teu pijama</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Nos teus pés ao pé da cama</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Sem carinho, sem coberta</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">No tapete atrás da porta</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Reclamei baixinho</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Dei pra maldizer o nosso lar</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Pra sujar teu nome, te humilhar</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">E me vingar a qualquer preço</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Te adorando pelo avesso</span><br />
<span style="background-color: white; color: #666666; font-family: 'Trebuchet MS', Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19px; text-align: -webkit-auto;">Pra mostrar que ainda sou tua</span> </div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-48832719415630018992011-12-31T15:24:00.001-02:002012-10-19T03:49:53.205-03:00Refazendo primaveras<div class="ecxmsonormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 12.75pt; margin-bottom: 16.2pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando quis saber de mim, através do ponto cego das tuas intenções obscurecidas, já era doido de nascença e estrangeiro de lugares outros. Nos meus resquícios empoeirados que resguardam contos invisíveis, nos meus lugares sagrados que abrigam pedaços oníricos de mim, nas paredes rabiscadas das profundezas desses breus, existiam sempre ondas de incertezas e espasmos de sinceridades indizíveis, e eu rodopiava por sobre vãos rarefeitos. Atarantado pelo sincronismo disforme de uma vida antagônica, como se estivessem segredados todo e qualquer mistério do que quis ser no póstumo, que é agora presente, esqueci-me de arrancar o revestimento que encobria a película das sutilezas e me restou uma atroz carcaça que me reveste de algo que não sou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ecxmsonormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 12.75pt; margin-bottom: 16.2pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas não me importei nunca com o devir ou o agora, nem com as fúrias das tempestades ou com os infortúnios do tédio e a reverberante espera. E pouco me interessam esses livros que quase nada me ensinam, a busca pela erudição e entendimento das coisas e do mundo ou o estudo da situação política e econômica do país: toda explicação escancara as portas para novas dúvidas e andamos em círculos, bêbados, toda vez que uma estrada termina e uma outra se inicia. Se ocupo minhas horas a pensar nesses aspectos inacabados e imprecisos da existência, é pelo simples e vago motivo de não saber suportar, lidar, viver com a celeridade dos acontecimentos e com as renúncias do esquecimento a qual estou submetido, num balançar constante e iminente que me empurra a passos largos à loucura de não lhe pertencer; dada a impossibilidade de satisfazer suas lacunas com as metades utilizáveis de mim, gasto meus instantes com pensamentos desinteressantes e fúteis. <o:p></o:p></span></div>
<div class="ecxmsonormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 12.75pt; margin-bottom: 16.2pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Palpita em meus ouvidos canções desarmônicas, ao sabor ilógico de um diapasão desafinado. Fulguram em minhas retinas imagens de sonhos desconhecidos, paisagens faustuosas se desenham e as absorvo quase reais e perfeitas. Contudo, em nenhuma delas você está e isso me desassossega como o maior dos pesadelos, como a mais terrível e amarga mancha do inalcançável. A cabeça inclinada para trás, olhos cerrados: e já não é mais a sua figura que se forma no fundo de minha mente. É outra coisa. É a certeza absurda e vã de não vislumbrar fugas ou caminhos ou resoluções para esses labirintos tortos e cegos que inventei, esses lacres imunes aos encantos que forjamos só nossos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="ecxmsonormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; margin-bottom: 16.2pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E ao fim dessa pobre retórica que nada tem de novidade, abandono esses ocos apontamentos, pois já desanuviei a inquietação de sentir. Dormente e alheio, pressinto os dilacerantes nevoeiros que me aguardam. Mas prefiro ser louco e andar sem asserção, afastado dos domínios que não são meus, dos juízos que refaço a cada primavera.<o:p></o:p></span></div>
<div class="ecxmsonormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; line-height: 12.75pt; margin-bottom: 16.2pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">"Dá-me mais vinho, porque a vida é nada" Fernando Pessoa</span></div>
André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-83100147935182816922011-12-19T22:22:00.012-02:002012-03-05T14:14:19.678-03:00Sobre o intangível<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Enquanto encarava a mala disformemente atirada no canto obtuso e sujo da rodoviária, os olhos fixos nela, como que para relembrar mentalmente todos os inúteis objetos que ali dentro atirara meia hora antes, desenvolvia calado e para mim a estúpida ideia que todo vagabundo possui mesmo sem saber, a qual descrevo abaixo. Como disse, é estúpida e não merece ser lida nem por quem a desenrola. Ao mesmo tempo, ressurge na memória sem esforço ou necessidade e se escrevo-a é para esquecê-la:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Tenho uma teoria. Falha, é verdade, mas ainda assim é de se pensar: Um homem deve viver bem se estiver ao seu alcance um pedaço de pão, um vinho vagabundo ou uma dúzia de cervejas baratas, alguns amores e umas poesias soltas. Mais do que isso é exagero e vaidade, e esse mundo já está entupido disso. (E é com melancolia que recordo nesse instante: nenhum desses itens há na mala. Merda!). O dinheiro é escasso e o pão está caro demais - deve ser culpa da inflação. Sempre é. Mas um vinho de baixa qualidade e umas cervejas de sabor duvidoso sempre nos acolhem nas tabernas dessas solitárias ruas. Todos dizem e é mesmo verdade: incrível como o álcool torna algumas pessoas sociáveis, despreocupadas com o ingrato peso da realidade, talvez. Outras, porém, nem com grandes quantidades de fada verde, companheira da genialidade dos loucos boêmios desde tempos imemoriáveis, conseguem respirar aliviadas por deixarem de lado a sensatez. Notei ao longo desses anos que muito discernimento e razão, equilíbrio e raciocínio lógico tornam as pessoas rapidamente enfadonhas e pessimistas, burocráticas e infelizes, até com quem não merece ser tratado assim. É por isso que eu venero a loucura, os exageros e os palavrões. E prefiro que o bom senso seja deixado de lado, porque é geralmente nessas condições que as melhores risadas são dadas, que as maiores histórias são contadas, que as mais saudosas recordações são guardadas.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Que seria das relações sociais, dos infortúnios causados por celebrações tediosas, seja ela de qualquer espécie, sem a presença do álcool, na companhia de boas parcelas de hipocrisia? Verdades incertas e nada mais que isso! Hipocrisia, aliás, como pronunciou certa vez um amigo, é a maior das diplomacias. O que me leva a concluir, com um meio sorriso no canto dos lábios, que só se faz diplomacia de verdade com boas doses de bebida alcoólica no sangue. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;"></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br />
</span></div><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quanto a poesia é ainda mais fácil. Algo escrito numa rocha já gasta, uma folha que se desprende do caderno de uma menina sonhadora, a orelha de um livro antigo ou rasgado, o estar a ouvir o vento assoviar pela janela de prosas inacabadas, e pronto: tem-se material suficiente para que se reflita taciturno sobre uma porção de questões pertinentes há existência. E matar o tempo assim é como deixar um legado para a eternidade, mesmo que ninguém ao redor se importe, saiba ou sinta, como de fato normalmente ocorre. O verso pode ser frouxo, desandar em rimas pobres ou mesmo serem palavras do Paulo Coelho: expiações sempre nos fazem encontrar uma fresta de significado no oceano das incoerências.</span></div><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><o:p></o:p></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;"></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Só quem vai para longe ver o sol nascer em horizontes de outrem é que pode se ver livre por alguns momentos da sujeira, do cansaço, da repetição, da pressão de ser alguém. Quem vê menos prédio e mais plantação, menos concreto e mais abstração, provavelmente é mais feliz. E é justamente quando se encontram as chamadas meias verdades, já fatigadas de doces desilusões. O destino se ri de nós por não sabermos nos afundar em profundas e profusas horas de silêncio e por querermos ser mais inteligentes que o tempo, único entendedor da orientação exata dos caminhos desconexos. Epifanias, esperanças ou coisa que o valha, só se alcançam pelos fugidios segundos dos ponteiros, impossíveis de serem duradouros e absolutos.</span></div><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Como sempre, quem tem razão é o gênio Fernando Pessoa, sob a luz da poética quase pagã e ao mesmo tempo divina de seu heterônimo Ricardo Reis, ao dizer, com sua costumeira simplicidade esclarecedora: </span></div><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"></span><br />
<div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">"Segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias. </span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A realidade sempre é mais ou menos do que nós queremos. Só nós somos sempre iguais a nós-próprios." – perfeito e preciso como o pôr do sol depois do dilúvio.</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br />
</span></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">E tem também os amores. Os amores. Mas esses não se pode prever, querer ou buscar. Surgem sem que se perceba, sem que se saiba ao certo por qual estrada seguirá, assim como os vales por entre montanhas. E se perdem despercebidos, como folhas ressecadas no quintal da casa velha. Imprevisível por essência, nos tira do sossego quando queremos esquecer e nos põe no delírio quando precisamos de descanso. Nos arranca o juízo e nos faz sair da linha. Mas o outro ângulo, aquele que enxergo apenas de supetão através de instantes vencidos e que mostra a mesma face da moeda já enferrujada, faz o mundo parecer pouco e pequeno, os problemas uma poeira na imensidão e a vida um lampejo breve e inesquecível.</span></div><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><o:p></o:p></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Em verdade, nunca vi essa face, ou se quis ver estava cego. Em verdade, foi com melancolia e pesar que descobri que amar alguém pode não significar nada nessa vida. Porque geralmente as horas em que o mais belo pensamento recosta na breve lembrança dos sinais quase escondidos, transcorrem alhures aos desejos suprimidos e imediatos. E pode até ser bonito ou romântico que seja assim, mas apenas em fantasias infantis ou nessas histórias modernas de vampiros. Na vida real, essa em que a inquietação fala mais alto do que a pureza dos sorrisos, ninguém se importa muito. Há algum tempo, quando a escassez sórdida e a sutil ingratidão dos amores começaram a assolar, escrevi num guardanapo de bar um verso que até então não compreendia bem, mas agora relembrando talvez se encaixe nesses devaneios:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">eu fui embora, mas não parti,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">metade do que disse escondi.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">agora apenas me calo, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">no melancólico sopro do teu hiato.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">(Você me diz que precisa de colo quando está sozinha e que prefere estar só quando te ofereço o meu perdão. Acho que é por isso que eu gosto mesmo é de não te encontrar, só para me embriagar sem culpa, reclamar de tudo e escrever sobre o que quiser. Não como resposta, mas para esquecer; não para ter razão, mas para apaziguar o coração).</span></span></div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-28774751223165878202011-11-03T22:55:00.002-02:002011-12-10T02:39:10.669-02:00Para esquecer desatinos<div class="MsoNormal" style="font-size: 13px; margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Nesses desconcertos sem arranjados já não há mais o que sentir ou pulsar:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">só o silêncio dos ecos de romarias distantes se fazem notar.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Existe ali, onde termina o caminho deflorado dos meus amores,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">a esperança incerta e bêbada do porvir sem cores.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E me circundam torpores e consternações, metades e tormentos, lamúrias e equívocos que se cruzam e se embaraçam com finais meus e restos teus, com vontades minhas, suspiros teus. É por isso que apenas lhe sonho, figura inacessível de desejos descabidos. Se fosse realidade, não seria essa poesia ininteligível e contrária, nem mesmo uma prosa com cadência bela. Se fosse realidade, estaria só e pelo avesso, vagando em ruas de mão única, e não abrigada no fruto de minha pueril fantasia.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas para além de mim não há nada que se possa fazer presente. Navego por entre correntezas e pelos vácuos dos meus descompassos. Me abstenho de alegrias, espectro efêmero e alheio, e sorrio para a insanidade de quase ser. Perco no horizonte essa faísca repentina que se convém denominar felicidade: bebo e fumo meus maços e isso me parece como a plenitude branca das nuvens.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Violão desafinado, livros rasurados e páginas marcadas, manchas frias pelo gasto assoalho; </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E é tudo para aparentar esquecer meus cansaços quando me deito ao teu lado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; padding-bottom: 0px !important; padding-left: 0px !important; padding-right: 0px !important; padding-top: 0px !important; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Naquela manhã de domingo que só nasceu para mim, você despediu-se e levou o que de mais secreto havia nos meus recantos. E desde então eu endoideço a procurar-te para saber dos teus fins, secar tuas lágrimas, entender teus rogos e sorrir para as tuas tortas razões. Mas os desatinos não somem e os delírios não desgarram. Ficam assim, pairando entre o eu incompleto e a suposta luz que és tu.</span></div><span style="font-family: Tahoma, sans-serif; font-size: 10pt;"></span>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-43641505060233723042011-10-09T23:02:00.006-03:002012-02-09T02:12:26.969-02:00Contornos<div class="MsoNormal" style="mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><span style="color: black;">Dolorido, apertado e esquecido. Meu peito abriga um coração que suplica por instantes de paz, por fagulhas de sentido, por brechas de entendimento.<u1:p style="text-indent: 0px !important;"></u1:p></span><span style="color: black;"><o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: inherit;">Confusão, descontrole e amargura. Minhas lembranças clamam para serem apagadas, lamentam o negrume sólido que concreta as emoções passadas. Fazem uma espécie de oração calada, uma prece angustiada, para que suma da memória as ilusões que transformei em verdades, já que os bons momentos jamais foram divididos: foram eles meus e de mais ninguém. </span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><span style="color: black;">Levei a eternidade para perceber que o amor, essa pequena palavra que sopramos ao alento toda vez que a pulsação acelera mais do que deveria, tem caminhos tortuosos, regras complexas, palavras dúbias, necessidades que não sei compreender. Egoísta que sou, vi os outonos sucumbirem às tentações de devastadoras paixões e dei adeus para esperanças que enchiam-se de promessas vazias. Mas segui sempre pelos </span></span>varados <span style="font-family: inherit;">trilhos que construí por esses curiosos percursos.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><span style="color: black;">Vejo-me sozinho, no meio do furacão e dentro de tempestades que criei, feito uma criança que tenta saber por que desaba o mundo a sua volta. Mas em minhas terminações suprimidas, nos interstícios sonolentos onde prevejo um pedaço de devaneio sem alma, haverá sempre a insônia e olhos fatigados por tentarem enxergar o incompreensível.<u1:p style="text-indent: 0px !important;"></u1:p> Nas bordas de cada rio, nos contornos de todos os lugares idealizados, nas margens dos nossos desapegos ou nos bares dos nossos afogamentos, haverá sempre uma fatia de mim. E de você. </span><span style="color: black;"><o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal"><span class="apple-style-span"><span style="background-color: white; color: black; font-family: inherit;"><br />
</span></span></div><div class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><span class="apple-style-span"><span style="background-color: white; color: black;">“Sou muito sozinho. Tenho todos comigo, e ao mesmo tempo, ninguém.</span>”</span><span style="color: black;"><o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal"><span style="color: black; font-family: inherit;">Adaptado de Camila Depane<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span style="color: black; font-family: inherit;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="color: black; font-family: inherit;">“Ah, quem me salvará de existir?”<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><span style="color: black;">Bernardo Soares, em “Livro do Desassossego”</span> </span></div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-14946449989146692512011-10-07T10:29:00.001-03:002011-10-12T15:23:01.861-03:00<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">"Já lhe dei meu corpo</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Minha alegria</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Já estanquei meu sangue</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Quando fervia</span><br />
(...)<br />
Deixe em paz meu coração<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Que ele é um pote até aqui de mágoa"</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Chico Buarque - Gota d'água</span><br />
________________________<br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">"Trocando em miúdos, pode guardar</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">As sobras de tudo que chamam lar</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">As sombras de tudo que fomos nós</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">As marcas de amor nos nossos lençóis</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">As nossas melhores lembranças</span><br />
(...)<br />
Uma saideira, muita saudade<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">E a leve impressão de que já vou tarde."</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Chico Buarque - Trocando em miúdos</span>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-11829178830698860332011-09-22T23:45:00.006-03:002012-06-11T00:28:56.739-03:00O amanhã que é hoje e não chega.<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><span class="apple-style-span"><span style="color: black;">Amanhã talvez. Mas hoje até o respirar está pelo avesso e minhas certezas divorciam-se de mim mesmo como esboço oblíquo de escritas tristes e linhas diagonais que cruzam minha quietude: lido </span></span><span class="Apple-style-span">com esmiúça </span>da cabeça aos pés por olhos turvos de ninguém. As veredas têm sido continuamente sem destino acertado, circunscritas por diálogos incompreensíveis, ciúmes forjados, promessas impossíveis. Os que vão comigo jamais cruzam minhas chegadas. Deixam-me sempre seus bocados, suas metades apagadas, suas sobras quebradas, seus amores desfeitos. É então que findam os sorrisos fáceis, ficam pelo caminho as confissões íntimas e desmancha-se a esmo a felicidade nossa.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><span class="apple-style-span"><span style="color: black;">Apenas amanhã. Hoje estou </span></span></span>excessivamente <span class="apple-style-span" style="font-family: inherit;"><span style="color: black;">cansado, impaciente e pessimista para querer que a minha existência seja diferente. É uma fadiga absurda a que é submetida meus músculos, membros e cérebro. Exausto, não penso: duro, assim como as árvores que resistem às alvoradas. E observo atônito os dias passarem como se fossem vidraças maculadas de ansiedade e mentira. Sem que o saiba, sem que o creia e sem que o chore, a penumbra da desesperança já vai surgindo atrás das luzes opacas e me cobre no canto escuro do quarto sem paredes.</span> </span><span style="font-family: inherit;">É sem saber por que respiro que sigo, cambaleio sobre uma corda bamba e perco o equilíbrio quando me fazem discursar quando necessito calar.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: black; font-family: Tahoma;"><o:p></o:p></span></div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-67875075396075580882011-09-02T16:14:00.006-03:002012-02-09T02:32:56.072-02:00Lampejo nas sombras<div style="text-align: justify;">Prelúdio das ocasiões, sobejo das horas.<br />
A disposição dos antigos objetos dessa sala sem paixões, me dizem provérbios e frases bonitas que eu não entendo ao certo o que significam. E nem busco compreender. Para acomodar-me em doces fantasias, deito fora o tempo e aquilo o que não cabe mais em mim e nem no mundo, as mazelas estampadas nesses retratos sem molduras: e tudo é para respirar por entre realidades dissimuladas, sentir abreviar esses batimentos sem razões, ver fugir por buracos inexistentes o que impregnado já está no espectro. Surge no pano de fundo amarelecido da minha triste vida, aquelas frustrações que não somem, nem dormem, não se escondem.<br />
Letargia vaga do inexplicável, desatino dolorido que ofusca as retinas, sombras e sobras de meus desapontamentos. Ergue-se um vidro diáfano entre o que me forma e o ideal, constrói-se um muro entre o plausível e o impossível, anseios inomináveis acercam-se entre mim e ti: avisto-te apenas por alegorias tortas, por fatos contestáveis, maneiras imprecisas. A saudade, quando transvestida de angústia, nubla aqueles temporários instantes em que nos esquecíamos de nós mesmos, onde passado não havia e o futuro era imensurável. Agora venta em mim, como confissões de tempestades atemporais, a bebedeira hesitante de todas as eras. E meu peito silencia desgostoso para me lembrar que você não está.</div><div style="text-align: justify;">Contudo, não existo. Estou. Só percebo aquilo que não presencio e não almejo nada a não ser uma praça onde se possa sentar num banco de madeira envelhecida, ficar a meditar sobre o céu e vê-lo por azul no outono, com um lago límpido à frente e um sopro manso para acalentar abraços que se despedem. E eu finjo ser poeta do que não sei, amar o que não possuo e dar vida a enleios fugidios.<br />
<br />
<div class="MsoNormal">Entorno no ar pensamentos soltos e essas palavras são para comprovar a incoerência das minhas sensações.</div></div>André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-59699981713324840462011-08-19T16:12:00.005-03:002012-07-10T22:49:03.819-03:00Licença (des)poéticaJamais houve inspiração,<br />
explicação.<br />
Subtraio-me sem compreender-me.<br />
E é na solitude que quase vivo,<br />
para olvidar o seu sorriso,<br />
desembaraçar a vastidão.<br />
<br />
Na resplandecência,<br />
efêmera em sua essência,<br />
duro apenas por frações<br />
e fatias de sabedoria,<br />
minúsculas razões<br />
que não apartam nostalgias.<br />
<br />
Vou para varanda de meus abandonos<br />
gritar a minha alma:<br />
ninguém ouve o desvario de acamados desconsolos,<br />
o fim de uma abstinência calada.<br />
<br />
Sangro toda imundice amontoada das ruas,<br />
dói-me as feições amargas e mudas.<br />
E isso me bate sem perdão, sacode<br />
feito pingos d’água na madrugada quando chove.<br />
<br />
O resto, migalhas do espelho que se esfacela, são (re)versos do iniludível.André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-62730829302248792112011-08-12T14:53:00.001-03:002012-02-09T02:43:56.607-02:00<div style="text-align: justify;">"É preciso estar sempre embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão.</div><div style="text-align: justify;">Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.</div><div style="text-align: justify;">E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: "É hora de embriagar-se! Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se; embriague-se sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser."</div><br />
Charles BaudelaireAndré Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-212001801180428282011-08-10T16:34:00.001-03:002013-07-06T15:04:19.449-03:00Vida inversa e amores<div style="text-align: justify;">
A vida está inversa e os amores se cansaram. As mesmas carências e vontades, os mesmos temores. Estou partido ao meio, avulso ao vento. E meu coração é um trapo antigo, como aqueles que se deixam no rodapé da porta para que não entre água e poeira por baixo. O corpo padece, suporta sozinho uma carga descomunal. Minhas impressões, restos de mim, deixam marcas incuráveis em meu rosto e cicatrizes pontiagudas em minha alma: já não posso mais deslembrá-las, afogá-las no vácuo impreciso da esperança. A vida está inversa e os amores, indiferentes. Não há diálogo, nem gestos e o silêncio adoece. Emudeço dentro de mim mesmo, como um disco riscado a rodar infinitamente numa vitrola sem agulha. O conflito dormente que saí das entranhas, desgosto acumulado do que não soube ser, névoa translúcida de emoções imperfeitas, abrolha e sucumbe, desassossega até a última gota. Alheio, aglomerando quimeras e vendo tudo passar do lado de fora, estou eu sentado à janela de enganos desrazoáveis. E já não há mais amores, nem vida e nem réplicas. </div>
André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-14304771810370448422011-08-05T16:03:00.000-03:002011-08-05T16:03:54.471-03:00Sobre o quaseAnsiedades veladas<br />
<br />
Confusões caladas<br />
<br />
Amarguras insensatas.<br />
<br />
E eu respiro por osmose,<br />
<br />
Multiplicando as somas de vácuos, espaços, buracos,<br />
<br />
Como se a sombra do último minuto, acolhida por respingos de arrependimentos,<br />
<br />
Projetasse sobre o nada tudo aquilo o que quase posso oferecer.André Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-986519730447254881.post-43143440980869425252011-07-20T14:52:00.000-03:002011-07-20T15:03:23.411-03:00<b>Em tempos quis o mundo inteiro.</b><br />
<br />
Em tempos quis o mundo inteiro.<br />
Era criança e havia amar.<br />
Hoje sou lúcido e estrangeiro.<br />
(Acabarei por não pensar.)<br />
<br />
A quem o mundo não bastava,<br />
(Porque depois não bastaria)<br />
E a alma era um céu, e havia lava<br />
Dos vulcões do que eu não sabia,<br />
<br />
Basta hoje o dia não ser feio,<br />
Haver brisa que em sombras flui,<br />
Nem se perder de todo o enleio<br />
De ter sido quem nunca fui.<br />
<br />
Fernando Pessoa<br />
<br />
....<br />
<br />
<b>Lembro-me bem do seu olhar.</b><br />
<br />
Lembro-me bem do seu olhar.<br />
Ele atravessa ainda a minha alma,<br />
Como um risco de fogo na noite.<br />
Lembro-me bem do seu olhar. O resto...<br />
Sim o resto parece-se apenas com a vida.<br />
<br />
Ontem, passei nas ruas como qualquer pessoa.<br />
Olhei para as montras despreocupadamente<br />
E não encontrei amigos com quem falar.<br />
De repente vi que estava triste, mortalmente triste,<br />
Tão triste que me pareceu que me seria impossível<br />
Viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,<br />
Mas porque seria impossível viver amanhã e mais nada.<br />
<br />
Fumo, sonho, recostado na poltrona. Dói-me viver como uma posição incómoda.<br />
Deve haver ilhas lá para o sul das coisas<br />
Onde sofrer seja uma coisa mais suave,<br />
Onde viver custe menos ao pensamento,<br />
E onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol<br />
E acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais<br />
Nem no dia do mês ou da semana que é hoje.<br />
<br />
Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,<br />
Um coração exageradamente espontâneo,<br />
Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,<br />
Que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta,<br />
Canções tristes, como as ruas estreitas quando chove.<br />
<br />
Fernando PessoaAndré Araújohttp://www.blogger.com/profile/13821145187599389214noreply@blogger.com0