quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Cansadas observações.

Estou cansado de estar. Com preguiça dos menores gestos e sem destreza até para as pequenas ações. Tudo é um fardo sem nome ou explicação, mas não entendo, ao final, porque assim o é. Quando estou só e me atacam essas sensações, sinto a vida debruçar-se desagradavelmente sobre mim e cuspo e sangro palavras incoerentes e sem sal em uma folha pálida, na busca irracional de assentar sossego dentro do meu corpo disforme. E percebo que nada tem solução, mesmo quando tudo está em paz: o mundo perdeu-se em uma esquina qualquer, sem deixar vestígios para onde iria. E nós, no delírio diário, estamos à penumbra de tudo, andando nas beiradas de círculos infinitos, na espera impossível de encontrá-lo. Acabamos sempre num beco sem saída, perdidos, esquecidos até do que estamos a buscar.
Isso tudo são as minhas particularidades desfocadas e irregulares, porque sei que aquilo que não vivi sempre teve mais valor pra mim e tudo o quanto não fui é quase um terço do que pensei ser. Minha imaginação é mais autêntica e ajustada do que os divergentes caminhos que me levaram até onde estou. Minhas escolhas, sempre tão penosas, estavam já pré-determinadas, dentro de uma caixa escura e sem portas, e vestí-las sem hesitar, com a idéia infantil de que conseguiria aceitar bem as coisas como elas são. A conseqüência disso , notei, era que me tornava lentamente uma espécie de interlúdio estranho entre o chegar e o partir, entre o ruir e o silenciar, entre o ficar e o ir.
Esqueço esses devaneios, ao findar o dia. Faço a cama a qual não me deito, folheio o livro ao qual não leio, abro os olhos sem enxergar. E com o semblante angustiado, não de dor, mas de desesperança, me chego até a janela onde tudo lá fora é uma mistura de céu cinza triste e chuvoso com um sem fim de fumaças sufocantes que tornam ainda mais opaco aquilo que já não nos é visível. Aperto a vista, forço a retina e sigo sem ver meu destino, que se perde em uma ruela abandonada por todos.
Mas vou em frente.
Tenho de ir.
E o meu caminhar é desatento e descuidado.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ter de existir

E no labirinto sem fim que é a existência, ouço, do alto de minha amargura, o silêncio mortal que cessa até o vento turbulento. Tudo está mais soturno do que a solidão fria e melancólica da madrugada de um deserto; nesses instantes sempre me indago, sem nunca encontrar resposta, onde está Deus, tão indiferente ao desalento esquecido dos homens.
As dormências que cercam a nossa maneira de perceber o mundo estavam já colocadas desse modo quando entendemos que o caminho estava errado e torto; antes mesmo de refletirmos com o sentimento, e não com a razão, e olharmos para dentro de si, à procura de qualquer fio de luz que nos desse um último gole para amenizar o esmorecimento dos nossos dias. Mas agora é tarde e sombrio e a vida persiste, equivocada e tranquila, como se fosse natural e sensato tropeçarmos do lado de fora de nossas incertezas, que se postam diligentemente diante de nossos passos.
À tudo isso repondemos de uma forma singular: emudecemos todos, na espera absurda de pensar sem sofrer, anestesiados por doses cavalares de uma impotência condescendente. É nossa busca quieta e constante de tentar trazer paz às emoções dos corações dilacerados, a nossa forma tola e insensata de fazer do todo uma incoerência infimamente organizada.

Mas, afinal, que significado isso tudo possui, que orientação segue, o que representa, o que quer dizer, se é que diz alguma coisa? Não sei, nunca saberei. Sou o inverso do que quero, o contrário do que sinto, a contradição em sua essência. Não há verdade em minhas palavras, porque o que digo é apenas a silhueta do que penso, a metade de todas as dores oscilantes que vivem dentro de mim. Nunca conseguirei ser eu mesmo, sem que seja só para mim mesmo. Às outras pessoas, deixo sempre a idéia de que sou algo que inacabado, incompleto ou mutilado, mesmo quando deixo a melhor das impressões.
Postar-me diante da janela do meu quarto é também estar diante da porta da minha alma. Quando olho para fora daquela, observando a paisagem e o cenário que se formam perdidos no azimute longíquo, não percebo um movimento que indique sentido ou harmonia; com a minha alma sucede o mesmo. Onde estão as respostas das perguntas que me comprimem? Lá fora, onde tudo é caos e ausência? Aqui dentro, onde tudo é vácuo e tédio? Me consumo e perco com essas aflições e prevejo, sofro com antecedência, como um peso a esmagar-me, a estreiteza em ter de existir.