terça-feira, 10 de maio de 2011

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Pouco antes olhava as nuvens, tão próximas e finitas que quase podia tocá-las de leve, como um grão de areia distante do mar, que espera ansioso o encostar brando das ondas. Os últimos raios solares se despediam, a noite caia e eu já não sabia por onde navegar. O tempo vem acompanhado de contornos de crueldade e não nos espera no meio-fio, nem perdoa nossas vontades infantis: desmorona rápido, cego e atabalhoado, delineando seu reflexo vindouro na eternidade. Dentro dele, desembocam todas as inevitáveis madrugadas, as quais somos obrigados a padecer. Mas a de hoje, a qual escrevo acompanhado da confusão silente de todas as formas, era particularmente diferente, sem que para isso precisasse se distinguir das outras todas. Paciente, fina, dilacerante, queria saber quais almas a ocupavam. Talvez tenha ficado com ciúmes ao perceber que pensavam demais na sutil imensidão acabada dessas nuvens vespertinas. Por isso, penetrou sem convite nas estradas, nos quarteirões, nos edifícios, nos escritórios, só para atormentar sentimentos acomodados, esticados sobre todos nós. Fez da calmaria tempestade, agora eu não sei mais o que é belo e o frio me incomoda. A lembrança fantasiosa de teus olhos, antes memória, recordação agudamente sentida, surge agora desfigurada e meu horizonte desaparece, desespera, se perde como se nunca tivesse existido, porque tudo o quanto és (ou a idéia que faço de ti) tornou-se pó através do breu fictício que nos habita.

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